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Rótulos: Um Olhar Sobre as Construções e Contradições. Por Clecio Huni Kuin

Foto do escritor: Editor Editor

Não sou índio

Não sou indígena

Nem sou indígena aldeado

Tampouco desaldeado

Sou Huni Kuin

Por Muru Huni Kuin 


Inicio este texto com o poema Rótulos, uma criação minha que brotou em um momento de profunda introspecção. Nesse poema, há um convite para refletir sobre as palavras que recaem sobre os povos indígenas. Tantas vezes nos rotularam. Somos indígenas aldeados se habitamos nossas terras, mas, ao pisar no asfalto das cidades, nos tornamos indígenas em contexto urbano, desaldeados, urbanizados, urbaníndios. Há ainda as tentativas de englobar nossas existências em categorias amplas e generalizantes, como ameríndios.

Essas palavras-conceitos, paradoxalmente, tanto nada significam quanto carregam um peso imenso. Não nos definem, mas nos atravessam; não nos representam, mas nos moldam aos olhos de quem as usa. Não somos categorias, objetos ou rótulos. Porém, rejeitar tais termos não nos exime de seus impactos. Eles trazem consigo séculos de estigmas e camadas de preconceitos. São ferramentas de opressão que silenciam e apagam nossas identidades, culturas, vivências e cosmopercepções.

Nos Rotular é um ato que homogeneíza nossa pluralidade, apagando as diferenças que nos tornam múltiplos. Como se pudéssemos ser confinados em uma única definição, ignorando as centenas de povos, línguas, cosmologias e histórias que coexistem sob o guarda-chuva da palavra indígena. Quero exemplificar essa argumentação de forma clara: pensemos no povo Puyanawa e no povo Noke Koi, ambos tendo geograficamente seus territórios localizados no estado do Acre. Apesar da proximidade geográfica, não compartilham o mesmo idioma, os mesmos costumes ou a mesma história. E, no entanto, são frequentemente encapsulados na expressão "indígenas do Acre”, como se fossem um só.

Essa homogeneização não se restringe aos povos. Ela invade também o terreno do indivíduo. Negar a singularidade de cada ser indígena é perpetuar a ideia de que somos uma massa indistinta, ignorando que cada corpo, mente e alma carrega traços únicos, dinâmicos e mutáveis. A cada instante, nossa vivência nos transforma. Assim, Muru Huni Kuin não é Yube Huni Kuin, nem é Isaka Huni Kuin. Ainda que todos pertençam ao mesmo povo, carregam trajetórias distintas e modos singulares de habitar o mundo.

Entre os tantos rótulos que nos impõem, quero deter-me nos termos “indígena aldeado” e “indígena em contexto urbano”. O primeiro, no imaginário social, é o verdadeiro indígena, aquele que vive na aldeia, longe da dita civilização, alimentando-se de caça e pesca. Essa construção não é nova; é fruto de uma visão romantizada e essencialista, que cristaliza nossas existências em um passado distante e idealizado. Por outro lado, o indígena que vive na cidade frequentemente tem sua pertença questionada, tanto pela sociedade ocidentalizada quanto, em alguns casos, por outros parentes.

Essa dualidade entre o “aldeado” e o “urbano” é mais um reflexo de como os rótulos tentam aprisionar nossa existência em moldes alheios à nossa realidade. Não somos menos indígenas por viver na cidade, assim como não somos mais indígenas por permanecer na aldeia. Nossa essência transcende e conflui geografias e contextos. Somos resistência, somos movimento, somos múltiplos.

Convido quem lê estas palavras a pensar além dos rótulos, a enxergar nossas individualidades e pluralidades. Somos povos, sim. Mas, acima de tudo, somos pessoas, com histórias, sonhos e lutas que não cabem em palavras-conceitos, essas construções frágeis que tanto dizem e tão pouco sabem.

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